Mobilizações, protestos, atos públicos, entre outras manifestações políticas, são coisas que ocorrem sempre, em todos os cantos, aqui e acolá juntam-se pessoas em prol de algum ideal, em prol da construção de algumas coisas ou pela desconstrução de outras. Afinal o tempo histórico implica mudança, e os diferentes contextos propiciam algumas reivindicações.
Contudo, nem todas essas mobilizações conseguem atingir seus objetivos, algumas vezes são emperradas por um contexto desfavorável, por ações desmobilizadoras por parte da autoridades, e principalmente, por falta de apoio e respaldo de muitos que poderiam se inserir na luta. Algo que acaba gerando certa frustração em alguns defensores dessas causas.
Quando a mobilização conta com um contexto favorável, com o apoio de muitos membros pertencentes ao grupo social para o qual se luta, com reivindicações coerentes - que convocam os espíritos aguçados e sedentos por melhorias - e com uma organização muito bem estruturada, harmônica e democrática; o que se sucede é um daqueles momentos únicos, maravilhosos, de luta, de conquista, que mostram para a sociedade que a luta e a pressão podem e devem ser meios para alcançar melhorias e avanços.
Na história da humanidade podemos destacar eventos como o "Maio de 1968" na França, a "Primavera de Praga", na Tchecoslováquia, no mesmo ano. No Brasil também tivemos nossa primavera com mobilizações ao final da ditadura militar.
Em esferas menores, como universidades, indústrias, municípios e bairros também nos deparamos com um daqueles momentos quase mágicos e únicos de luta e conquista, que marcam a história e a vida daqueles que participaram, se envolveram, acompanharam, da sociedade ou instituição em que ocorre, como é o caso de movimentos estudantis. Enfim, que podemos considerar como um alvorecer político, uma primavera de lutas, de culura e de debate em torno dos problemas que nos cercam
Na última semana, a Universidade Estadual Maringá (UEM) viveu um desses momentos únicos, daqueles que se inicia com reivindicações e manifestações, e ganha proporções maiores, mais do que os próprios estudantes que encabeçam a luta poderiam imaginar quando tudo começou.
As reivindicações ("Quem não pula quer Steak!")
No fim de 2010, nas eleições do DCE da UEM, a chapa Movimente-se UEM alcançou uma esmagadora vitória no pleito. A chapa representava uma reorganização, renovação e remobilização do movimento estudantil na universidade, mantendo algumas importantes bandeiras (como a construção da Casa do Estudante e a luta por melhorias nos campi extensões da UEM) e levantando outras (como a questão ambiental na universidade). Além disso, a chapa marcava o fim da estapafúrdia gestão Bonde do Amor.
Na gestão da entidade estudantil, a Movimente-se realizou inúmeras reivindicações, com diversos flancos de luta, mas com uma coesão e apoio nunca antes vistos. Desde o início do ano os problemas do RU e o corte de verbas estaduais em 38% foram os carros-chefe da atuação do DCE, que sempre buscou cobrar da reitoria, e negociar com ela, as propostas para solução destes e de outros problemas.
Mesmo com a realização de inúmeras tentativas, com reuniões e documentos que pautavam os objetivos à serem alcançados, a reitoria nada fez para solucionar os problemas. (ou então fingiu que fez, como ocorreu com a patética troca da coordenação do Restaurante Universitário).
O DCE deu um prazo para a reitoria se posicionar, anunciar medidas e prazos para cumprí-las. A data limite foi estipulada para o dia 25 de agosto, para quando foi marcada uma manifestação que daria o ultimato à reitoria, ou no caso das reivindicações sobre o RU, um RUltimato, como sugere o vídeo produzido para apontar as condições do RU, principalmente as condições insalubres de trabalho, nas quais os funcionários do RU estão inseridos.
A ocupação
Na referida manifestação do dia 25 de agosto, os estudantes se reuniram no RU e de lá subiram para a reitoria, com o intuito de cobrar providências do reitor. O que se vê a partir de então é uma sucessão de fatos que torna esse evento um dos mais importantes, abrangentes, organizados e vitoriosos de toda a história dessa Universidade.
Ocupação da reitoria: dia 25/08/2011 |
A entrada na reitoria não foi tão fácil assim, os estudantes foram barrados por alguns vigilantes - um deles chegou a usar um aparelho de choque elétrico contra um dos estudantes - e tiveram dificuldades para convencer alguns funcionários da reitoria (incluindo o próprio reitor) de que a ocupação era pacífica, e que eles poderiam deixar o prédio sem problemas.
O prédio foi ocupado, e os estudantes zelaram pelo patrimônio público, catalogando todos os itens lá existentes, para depois poder entregar a reitoria nas mesmas condições em que ela estava quando foi ocupada. A unica porta que teve de ser arrombada foi substituída por uma nova, que foi envernizada no dia da desocupação. Ou seja, a organização se deu desde o começo. E se manteve durante toda a ocupação.
O que se viu daí em diante foi um sucessivo crescimento da adesão ao movimento e um aumento de força do mesmo.
A primeira vitória
Eu, como ex-acadêmico da UEM, sempre procurei me interar dos acontecimentos da universidade, mesmo após eu não pertencer mais à comunidade acadêmica. Contudo eu não pude presenciar a ocupação por motivos de trabalho; porém, mesmo sentado frente ao computador, em casa, já pude perceber a primeira vitória desse movimento.
Independente dos resultados que a negociação traria - negociação que foi marcada para a ultima terça-feira, em curitiba - no fim de semana já era possível concluir algumas grandes vitórias que a ocupação trouxe para a Universidade.
A forma como estavam organizados os estudantes era bonita de se ver. Todo mundo trabalhando duro
para encaminhar as lutas, manter a organização do local, cuidar da segurança, da alimentação, da divulgação do movimento no blog e nas redes sociais, de organizar as reivindicações e chamar os estudantes para a luta.
O clima da ocupação contribuiu para ocasionar o que, ao meu modo de ver, foi a grande conquista que a ocupação já havia obtido, independentemente do resultado: o florescimento cultural e político da universidade.
Em todos os locais, dentro e fora da UEM: Nas salas de aula, nos departamentos, nas redes sociais, nas conversas do fim de semana, enfim, na esfera universitária, e até mesmo fora dela (apesar das distorções que a imprensa e a sub-imprensa maringaense tentou realizar acerca do movimento) um assunto predominava: a ocupação da reitoria. Contra ou a favor (a maioria dos comentários que vi) todos se posicionavam e fazia crescer a movimentação no campo do debate.
Poucas vezes a UEM havia se tornado o palco de um debate político tão intenso. E só de conclamar todos ao debate já foi uma vitória.
A ocupação da Rádio UEM, no domingo, deu ao movimento maior amplitude, permitindo que ele pudesse chegar aos ouvidos de quem até então só poderia ouvir ou ver todas as baboseiras faladas e escritas na mídia local (O Diário, RPC, Rede Massa, RIC TV), e não ter contato com mais nenhuma informação relevante sobre o movimento.
Além disso, o movimento contou com um "florescimento" cultural. A ocupação não era um espaço apenas ocupado, um vazio ocupado por estudantes.
A reitoria, teve 8 dias de manifestações culturais, de debates promovidos, de aulas ministradas, de oficinas. O que contribuiu para o clima de harmonia que o local emanou.
Ao chegar na ocupação era possivel ver que a universidade parecia ter ganhado uma nova cara. Na qual os universitários efetivamente estavam fazendo política e cultura.
Cartazes poéticos eram complementados pelo debate político, que por sua vez era embalado pela batida forte, enérgica e vibrante do maracatu.
Quem estava em casa, podia compartilhar desse clima pela Rádio UEM, que recebeu o nome de Rádio Ocupação.
Durante meus 7 anos na UEM (Graduação e Pós Graduação), eu, que já havia participado de mobilizações e manifestações políticas jamais tinha visto algo nessas proporções. Um debate político tão intenso, e o principal, que envolveu uma grande quantidade de pessoas.
Melhor do que pessoas dando opiniões, a ocupação da reitoria, conseguiu angariar um apoio enorme da comunidade acadêmica. Algo que nos meus tempos de graduação, eu nunca havia conseguido ver.
Quando eu era um estudante do curso de História, na UEM, participei por diversas vezes, de muitas manifestações e mobilizações no meu curso e na universidade. Contudo, sempre recebendo inúmeros olhares de reprovação e palavras de desprezo pelas lutas. Conseguiamos apoio? Claro que sim, mas era muito reduzido para assegurar um movimento com grande respaldo da comunidade acadêmica.
Conversando com um colega meu que participou de lutas naquela época, eu afirmei que nós davamos "murro em ponta de faca", e que nós até que faziamos bastante barulho dentro daquele contexto que proporcionava resultados em menor escala.
Servidores do RU apaludindo estudantes. |
Luta! Luta... Vitória.... e mais luta!
Ato pela educação, realizado na terça, dia 30/08/2011 |
Me saltava aos olhos. Um misto de saudade da graduação e de alegria por saber que eu dei a minha pequena contribuição há um tempo; e que os objetivos já traçados naqueles tempos, amadureceram e deram frutos; tudo isso desembocava em arrepios em minha pele e as vezes até em lágrimas que umedeciam e ameaçacam transbordar de meus olhos.
Só quem lutou por algo, quem almejou melhorias, quem ama essa universidade, como eu amo, mesmo não sendo mais aluno, sabe o que significa ver uma luta chegar a um alto nível de organização, mobilização, respaldo e principalmente na conquista dos objetivos almejados.
Sim, a vitória veio. Após negociações, o corte da rádio por parte do reitor, a reativação da rádio e um belíssimo e emocionante Ato pela Educação, na ultima terça feira; é que os estudantes conquistam avanços concretos: a reunião com a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) apresenta avanços e a garantia de várias reivindicações atendidas, mas ainda é pouco. Os estudantes decidem por elaborar uma contra-proposta, contemplando os objetivos requeridos. (clique aqui para ver as contrapropostas)
O desfecho vem após o reitor e a Seti acatarem todas as reivindicações da contra-proposta. E enfim a vitória estava consolidada.
O mais belo nesse desfecho foi a emoção com a qual os estudantes da ocupação receberam a notícia. Em poucos minutos, diversos estudantes chegaram à reitoria e comemoraram.
Ato pela educação e de vitória, dia 02/09/2011 |
Muitos estudantes quase nem dormiram nesse período de ocupação.
Eu nunca havia visto algo tão arrepiante; tão emocionante, tão belo como a luta e a conquista dos estudantes da UEM. Eu nunca havia visto um movimento tão amadurecido e tão organizado. Eu nunca havia visto uma adesão tão grande à uma manifestação na UEM.
Uma prova de que os movimentos sociais, como o movimento estudantil, estão ganhando corpo, estão ganhando solidez e estão crescendo em adesão.
Durante uma semana, eu acompanhei essa luta, e a defendi com muito afinco. Debatendo, discutindo e torcendo pela conquista dos estudantes. Uma conquista que também é minha. É de todos, acadêmicos ou não. Que passam ou que passaram pela UEM em algum momento de suas vidas. Ou daqueles na sociedade que almejam um lugar melhor para viver. A luta estudantil é uma das lutas por uma sociedade mais justa. Ela aponta um caminho importante: É possível vencer lutando! Os resultados estão aí, concretos; e que agora serão fiscalizados e acompanhados pelos estudantes.
Todos que lá ficaram enfrentaram o desconforto de dormir na reitoria, abandonaram o aconchego de seus lares, deixaram de lado muitos afazeres e, principalmente, levantaram de seus lugares para reivindicar o que nos é de direito para a universidade. E junto com eles tiraram inúmeras pessoas do ostracismo e da apatia política, e trouxeram para o movimento.
Como diz a palavra de ordem puxada pelo movimento:
"Vem, vem, vem, que a luta cresce!"
Eles vieram, e vieram em grande número! A luta cresceu, e como cresceu!
Se tornou o que de mais belo surgiu nessa universidade nos ultimos anos, um dos momentos mais belos de toda a história da universidade.
Sim, a luta cresceu, e a UEM floresceu.
E a primavera das conquistas políticas finalmente chegou por aqui.
Mas não parou, porque muitas outras estações ainda virão
Emoção e reflexão sobre os anos de militancia no movimento, pois é Rodrigo Candido da Silva. Ao conversar sobre a ocupação como Noir Malk Nassar, ainda antes de ler o seu texto, estavamos rememorando exatamente aquele contexto de desencontros, primeiro, e de encontros, em seguida, entre as nossas lutas. Lembramos uma conversa à mesa em casa, na rep, em que queriamos de algum jeito nos expressarmos ao Guapo de que nós tinhamos "sentimentos iguais" e que deviamos acabar com aquela divergencia toda! kkkkkkkk Posteriormente isto aconteceu, num momento que pode ser visto como o embrionário da ocupação 2011 (a ocupação e retomada do DCE de 2007 -- lembra Guapo! -- em que finalmente estavamos na mesma e que mobilizamos, mesmo que efemeramente, a última gestão "Caminhando").
ResponderExcluirQue bom ver alguma concretização daquilo que era esparço, meio embaçado, em um período de "murros em ponta de faca" (que por vezes era murro em nós mesmos rsss, a vida nos ensinou). Teu texto fala por mim, fiquei muito feliz ao lê-lo e também por nos reconhecer (Thalissonp Picinatto, Tiago Ogait e o resto da nossa cambada inquieta e revolucionária) nesta conquista.
Abraços e saudades,