quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Cinema, História e Música: Nascido em 4 de Julho + Guerra e Imperialismo dos EUA + Creedence

Anteontem estava com preguiça de estudar (tá, eu sempre estou com preguiça) e cometi um dos pecados na vida de um estudante "atarefado": parei e fiquei em frente à TV. Após re-assistir o bom "Perfume de Mulher" com uma das melhores atuações de Al Pacino, acompanhado do fraco Chris O'Donnel (alguém sabe se esse cara ainda está vivo? Já foi até Robin em "Batman: eternamente") resolvi "sapear" a programação dos canais de filmes e eis que me deparo com "Nascido em 4 de Julho", de Oliver Stone, no qual Tom Cruise interpreta Ron Kovic.

Kovic é jovem um estadunidense "boa praça" produto da geração dos Baby Boomers pós II Guerra Mundial, que acredita nos ideais do "American way of life" e da classe média estadunidense, compartilhando de todas as crenças políticas que, em geral, povoam a mente do cidadão Norte Americano médio: anticomunismo, crença na sociedade de consumo, patriotismo exacerbado (e em geral temperado por um certo irracionalismo religioso) e a incorporação da idéia dos EUA como o defensor da liberdade mundial. Estes são alguns dos motivos que levam Ron (Cruise) a se alistar como voluntário na Guerra do Vietnã (1965-1975).

Contudo as experiencias de guerra deixam sérias feridas na vida de Kovic, tanto físicas (se torna paraplergico), quanto morais e mentais. Em seu retorno, sofre com o descaso do governo para com ex-combatentes e o desprezo da sociedade (incluindo sua família). Kovic é visto como um inválido, fracassado e perdedor; uma vergonha nacional. Tais fatores fazem com que todo o arcabouço de crenças. nas quais ele pautava sua vida, se desmorone. Kovic passa de patriota, "combatente leal para com a pátria" à militante anti-guerra, junto a outros ex-combatentes e militantes de uma contra-cultura em plena ebulição em fins da década de 1960 e 1970.
Cruise interpretando o veterano do Vietnã: Ron Kovic
 O filme, produzido em 1989, baseado nos relatos do próprio Ron Kovic (sim, existe um Ron Kovic na vida real, ele escreveu um livro que inspirou Oliver Stone) traz questionamentos contundentes à Guerra do Vietnã e principalmente ao problema do veterano. Cabe dizer que nos EUA, o tema "Vietnã" é sempre um assunto delicado e que divide opiniões. A década de 1980 representa o momento no qual esses debates resurgem de forma bastante intensa na sociedade e no jogo político, principalmente com o advento militarista promovido pelo presidente Ronald Reagan e seu sucessor George Bush (o pai).
O filme me interessa por estar relacionado com o trabalho que desenvolvo no mestrado: a análise da trilogia Rambo na década de 1980. Nascido em 4 de julho representa um tipo do filme que podemos considerar como uma antitese dos filmes pró-guerra Rambo II: a missão e Rambo III , respectivamente de 1984 e 1987 (um dia faço uma postagem falando somente disso). Além do que o filme pode ser ideológicamente contraposto ao trabalho anterior de Tom Cruise: Top Gun: Ases indomáveis, um filme no qual a guerra é vista de forma empolgante e excitante.
Kovic em protesto contra a Guerra do Vietnã

É incrível ver que mesmo uma indústria cinematográfica tão ideologicamente pautada por valores conservadores e que tradicionalmente apoia governos militaristas e que inunda as telas com mensagens americanistas, possua brechas para filmes questionadores. É  importante notar que a industria do cinema é complexa, é permeada por diversos fatores, incluindo o de mercado, e mesmo com uma alta cúpula de executivos aliadas ao governo, existem artistas que mantém uma postura crítica à alguns valores e crenças da sociedade estadunidense e que conseguem transitar utilizando a estrutura econômica dos estúdios para produzirem contestações e debates em torno de questões importantes.
O veterano Ron Kovic (o de verdade) é até os dias de hoje um ativista e militante anti-guerra, é, atualmente um crítico ferrenho do impulso militarista do século XXI e das invasões do Afeganistão e Iraque
 Não existe um motivo especial para eu estar falando sobre isso justamente hoje, a não ser o fato de eu ter visto o filme por acaso anteontem. Nem tive a intenção de trabalhar com a perspectiva da crítica cinematográfica. O que me interessa são os fatores históricos que eu mencionei.

Kovic em protesto contra as guerras de George W. Bush (Afeganistão e Iraque
Mas é importante destacar, o quanto as experiencias de guerra anteriores nos podem servir como um mural sangrento para que pensemos um pouco sobre uma realidade atual. Seria o Iraque um novo Vietnã? Em que medida os cidadãos dos EUA pautam suas vidas pelas guerras: sejam pessoas que realmente acreditam nos ideais da democracia cristã redentora ou por mulheres, como as mães dos soldados do Vietnã que nem sempre dão à luz a um "Fortunate Son", que escapa da carnificina da guerra pelo berço de ouro e contatos políticos.


Músicas como Fortunate Son, do magnífico grupo californiano Creedence Clearwater Revival, fazem uma crítica à  convocação dos jovens estadunidenses para lutarem na guerra do Vietnã.

Um comentário:

  1. Creedence é f*da demais... Nunca tinha prestado atenção no sentido da letra (shame on me)...

    acho que nunca assisti o filme..

    Dá pra fazer muitos paralelos do vietnã com o Iraque, as justificativas são semelhantes, o "destino manifesto" sempre tão presente... os motivos que levam à dificuldade de sair da guerra.. a sociedade, que outrora foi brainwashed pra apoiá-la, agora clama desesperadamente o abandono...

    Não dá pra esperar boa coisa da decadência hegemônica estadunidense. O século XXI não vai ser menos violento q os anteriores... e eu como boa medrosa que sou, to tremendo até o último fio de cabelo.

    ResponderExcluir

Opine sobre a postagem: deixe seu comentário